
COVID-19: o forte impacto no mercado de trabalho afetou mais uns do que outros _
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COVID-19: o forte impacto no mercado de trabalho afetou mais uns do que outros _


A pandemia veio acelerar as tendências que se vinham a verificar desde 2011: aumentou o emprego que envolve tarefas abstratas e com baixo risco de automação
Apenas uma minoria da população empregada consegue trabalhar a partir de casa e ainda uma menor percentagem o faz em regime de teletrabalho. Assim, apesar da pandemia ter resultado numa queda de emprego para todos os grupos de trabalhadores, a queda tem sido menos pronunciada para os trabalhadores mais qualificados. Esta crise voltou a provar que os jovens são dos mais vulneráveis em tempos de crise, com maior probabilidade de ficarem desempregados.
O choque pandémico foi mais intenso para o emprego dos mais jovens…
Poucos anos depois de sentir os efeitos da Grande Recessão económica e financeira, e no culminar de um processo de recuperação, Portugal vê-se a braços com uma nova e grave crise económica e social. O PIB nacional caiu mais de 16% no segundo trimestre de 2020 face à média do trimestre comparável dos dois anos anteriores à crise (2018-2019). Mesmo com a forte recuperação no terceiro trimestre, a queda manteve-se perto dos 6% nos dois últimos trimestres do ano. Apesar das medidas de apoio ao emprego, o número de pessoas empregadas caiu em cerca de 99 mil.
As duas crises, ainda que por razões diferentes, penalizaram sobretudo os mais jovens. Os dados da evolução da população empregada (em percentagem da população total) desde 2011 mostram de forma clara que as quedas de empregabilidade nos quatro trimestres de 2020 (em particular no segundo) foram significativamente mais fortes para os jovens em início de carreira (25-34 anos), abrindo um novo hiato de empregabilidade face às gerações mais velhas. No segundo trimestre de 2020, os mais jovens viram a sua taxa de emprego cair cerca de 5,7 pontos percentuais face ao trimestre homólogo de 2019, o que correspondeu a menos 60 mil pessoas empregadas. Para os adultos mais velhos (35-54 anos) a queda não chegou a 1 ponto.
Os efeitos no emprego da atual crise pandémica não parecem ainda tão dramáticos quando comparados com o anterior período de crise económico-financeira. A taxa de emprego dos mais jovens chegou a ser em 2013 de apenas 71%, que compara com valores próximos dos 79%, mesmo no pior trimestre de 2020.
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JOVENS EMPREGADOS
25-34 ANOS, QUATRO TRIMESTRES DE 2020
Taxa de emprego e desemprego trimestral por faixa etária
FONTES: Inquérito ao Emprego (INE) e FJN
NOTAS: Faixas etárias - 25-34 anos e 35-54 anos
O desemprego é, em grande medida, o espelho desta evolução, ainda que os fortes efeitos no desemprego durante o ano de 2020 parecem desfasados pelo menos por um trimestre, fazendo-se sentir sobretudo no terceiro trimestre. O confinamento durante o segundo trimestre de 2020, por um lado, e o posterior desconfinamento durante o verão de 2020, por outro, explicam que a procura de emprego daqueles que o perderam durante a pandemia tenha aumentado durante este último período.
Deste modo, numa altura de baixa incidência da doença, o desemprego jovem voltou a passar a marca dos 10%, um aumento de cerca de quatro pontos percentuais face ao mesmo trimestre de 2019 (valor correspondente a mais de 38 mil pessoas nessa situação).

Ainda assim, e mesmo que a pandemia tenha já implicado uma perda equivalente a três anos de recuperação económica, também aqui os valores em 2020 continuavam muito longe daqueles relativos ao pico da anterior crise, que levou as taxas de desemprego aos cerca de 21%. Numa primeira fase, o número de desempregados entre os mais jovens resultou sobretudo do aumento dos despedimentos, de rescisões de contrato ou de falências de negócios pessoais. É no quarto trimestre de 2020 que dispara o desemprego jovem devido à conclusão e não renovação de contratos de duração limitada.
Os menos escolarizados também sofrem mais com a pandemia
O nível de qualificação dos jovens não é indiferente enquanto fator de risco. A variação dos níveis de emprego e desemprego nos quatro trimestres de 2020 face à média dos trimestres homólogos dos dois anos anteriores revela que mais escolaridade é um fator protetor muito importante, suavizando a quebra de emprego e o aumento dos níveis de desemprego durante a crise pandémica.
A queda da taxa de emprego no segundo trimestre face ao trimestre homólogo de 2019 foi semelhante para os jovens com ensino superior e secundário (5,4 e 5,3 pontos percentuais, respetivamente), mas muito mais pronunciada nos que apenas terminaram o ensino básico (-8,5 pontos percentuais). A taxa de emprego destes últimos continuou em queda no terceiro trimestre e recuperou ligeiramente no último trimestre do ano, ficando ainda 3,7 pontos abaixo dos valores registados no último trimestre de 2019.
Taxa de emprego e desemprego trimestral dos jovens adultos por nível de escolaridade
FONTES: Inquértio ao Emprego (INE) e FJN
NOTAS: Jovens adultos dos 25 aos 34 anos. Classificação dos níveis de ensino no Anexo Metodológico.
O aumento das taxas de desemprego face aos trimestres homólogos dos anos anteriores foi sentido particularmente no terceiro trimestre de 2020 e impactou sobretudo os jovens sem ensino superior. Nesse trimestre, o aumento da taxa de desemprego dos jovens com ensino básico e secundário face ao trimestre homólogo de 2019 foi de 3,5 e 6,6 pontos percentuais. Já os jovens diplomados do ensino superior viram a taxa de desemprego aumentar 1,7 pontos face ao trimestre homólogo de 2019.
Que perfil é mais vulnerável em tempos de pandemia e qual garante maior proteção e emprego?
Fatores como a idade e o nível de escolaridade parecem afetar o emprego como resultado da pandemia. No entanto, estes fatores estão também relacionados entre si e com outros relevantes. Por exemplo, a proporção de diplomados do ensino superior é maior nas gerações mais jovens e nas mulheres. Além disso, não é de menosprezar o papel do setor de atividade, uma vez que as restrições à atividade económica decorrentes do confinamento do segundo trimestre de 2020 e a abertura faseada ocorrida posteriormente, tiveram uma base de discriminação setorial explícita, com mais entraves à mobilidade e à abertura dos serviços de proximidade.
Tendo em conta fatores demográficos e os setores de atividade, o que influencia mais o risco de ficar desempregado e a probabilidade de voltar a encontrar emprego? E como é que a pandemia afetou a importância destes fatores?
O risco de ficar desempregado aumentou e a probabilidade de encontrar emprego diminuiu para todos, mas o nível de escolaridade importa
A pandemia diminuiu os fluxos de transição para o emprego para quem estava desempregado e aumentou principalmente o risco de ficar desempregado.
Antes da pandemia, ou seja, entre o início de 2018 e o primeiro trimestre de 2020, o risco de perder o emprego foi de 1,9%, valor que subiu para 2,5% nos últimos três trimestres de 2020, correspondentes ao período da pandemia.
O risco de desemprego aumentou para todos os grupos analisados, independentemente das caraterísticas demográficas (idade, sexo e nível de escolaridade) ou do setor de atividade, com exceção dos trabalhadores do setor da energia e dos resíduos. Para quem se encontrava desempregado, a probabilidade de encontrar emprego diminuiu de 29,2% antes da pandemia para 24,6% no pós-pandemia. Também neste caso, a queda na probabilidade de encontrar emprego foi generalizada, com exceção para quem trabalhava nos setores da ‘Construção’ e ‘Atividades de saúde humana e apoio social’ antes de cair no desemprego.
Os trabalhadores com ensino superior apresentam sempre uma menor probabilidade de ficarem em situação de desemprego, quando comparados com indivíduos com a mesma idade, sexo e setor de atividade.
O risco de desemprego trimestral para os indivíduos diplomados foi o que menos cresceu no período da pandemia, passando de 1,4% para 1,9%. Já os trabalhadores menos escolarizados (com o ensino básico) permanecem como aqueles para quem o risco de desemprego é maior, não só nos trimestres anteriores à pandemia, como também nos três últimos trimestres de 2020, correspondentes ao período da pandemia. Mesmo numa situação de desemprego, um diploma de ensino superior é uma vantagem, nomeadamente quando comparado com os que concluíram o ensino secundário. Apesar de a sua situação ter piorado relativamente ao período anterior à pandemia (para valores próximos dos que têm apenas o ensino básico), a diferença de probabilidade de saírem da situação de desemprego dos diplomados com ensino superior aumentou face aos que detinham o ensino secundário.

RISCO DE DESEMPREGO
Probabilidade de ficar desempregado e probabilidade de encontrar emprego antes e durante a pandemia por nível de escolaridade
FONTES: Inquérito ao Emprego (INE) e FJN
NOTAS: O conceito de desemprego inclui não só os ativos classificados pelo INE como desempregados, mas também os inativos disponíveis para trabalhar. Cada barra traduz a probabilidade correspondente resultante de um modelo de probabilidade linear para cada tipo de transição que inclui as variáveis explicativas: sexo, faixa etária, nível de escolaridade, setor de atividade e trimestre do ano. Ver Anexo Metodológico para mais informação sobre o modelo e classificação dos níveis de ensino.
Idade e setores de atividade específicos parecem ser os fatores determinantes para ficar desempregado
Os principais fatores que mais determinam o risco de perder o emprego são os mesmos antes e durante a pandemia: ser mais jovem (25-34 anos), ter concluído apenas o ensino básico e trabalhar em alguns setores de atividade específicos, nomeadamente ‘Alojamento, restauração e similares’, que se tornou o setor com risco mais elevado, substituindo o setor da ‘Agricultura, produção animal, caça, florestas, pescas e indústrias extrativas'.
Este último mantém-se como um setor de elevado risco, à semelhança de outros como ‘Outras atividades de serviços’ e ‘Atividades administrativas e dos serviços de apoio’. Ter entre os 25 e os 34 anos é, durante a pandemia, o segundo maior fator de risco no que diz respeito a ficar desempregado.

FATORES COM MAIOR RISCO DE DESEMPREGO
Probabilidade de ficar desempregado antes e durante a pandemia por características demográficas, nível de escolaridade e setor de atividade
FONTES: Inquérito ao Emprego (INE) e FJN
NOTA: O conceito de desemprego inclui não só os ativos classificados pelo INE como desempregados, mas também os inativos disponíveis para trabalhar. Cada valor traduz a probabilidade correspondente resultante de um modelo de probabilidade linear para cada tipo de transição que inclui as variáveis explicativas: sexo, faixa etária, nível de escolaridade, setor de atividade e trimestre do ano. Ver Anexo Metodológico para mais informação sobre o modelo e classificação dos níveis de ensino.
Há menos sobreposição antes e durante a pandemia nos fatores que mais influenciam a probabilidade de, estando desempregado, encontrar emprego. Em ambos os períodos, há fatores comuns como ter mais de 55 anos e ter trabalhado em setores de atividade específicos: ‘Atividades de informação e comunicação’, ‘Atividades de consultoria, científicas, técnicas e similares’, ‘Indústrias transformadoras’ e ‘Comércio a grosso e a retalho; reparação de veículos'. Com a pandemia, surgem outros fatores mais fortemente associados à dificuldade de voltar a encontrar emprego, como ter o ensino secundário e ter trabalhado nos setores de ‘Atividades administrativas e dos serviços de apoio’ e ‘Transportes e armazenagem’.
Probabilidade de encontrar emprego antes e durante a pandemia por características demográficas, nível de escolaridade e setor de atividade
FONTES: Inquérito ao Emprego (INE) e FJN
NOTA: Cada valor traduz a probabilidade correspondente resultante de um modelo de probabilidade linear para cada tipo de transição que inclui as variáveis explicativas: sexo, faixa etária, nível de escolaridade, setor de atividade e trimestre do ano. Ver Anexo Metodológico para mais informação sobre o modelo e classificação dos níveis de ensino.
A pandemia acelerou a tendência de aumento do trabalho em casa
Uma das maiores consequências da pandemia no mercado de trabalho foi, sem dúvida, um muito maior recurso ao trabalho em casa e do teletrabalho, que se distingue do primeiro por pressupor o uso de tecnologias de informação e comunicação. A nível europeu, verificou-se um crescimento do trabalho em casa na última década. Em 2019, último ano com dados internacionais disponíveis, 17% da população empregada na União Europeia realizou algum trabalho em casa, sempre ou de forma esporádica, um aumento de 3,6 pontos percentuais face a 2009. Neste indicador, Portugal foi dos países onde o trabalho em casa mais aumentou, passando de 5,2% em 2009 para 16,3% em 2019, um valor muito próximo da média europeia. A pandemia acelerou esta tendência em Portugal. No período que decorreu entre o início do ano de 2018 e o primeiro trimestre de 2020, a probabilidade de trabalhar em casa foi de 16%, valor que passou para 25,1% durante a pandemia, com valores máximos no segundo trimestre (28,9%). No último trimestre este número baixou para os 24,4%. Quem trabalhou em casa, sempre ou ocasionalmente, fê-lo maioritariamente em regime de teletrabalho (64,5%).

O trabalho em casa é mais provável quanto maior o nível de escolaridade
Independentemente dos setores de atividade e a profissão, quais os fatores demográficos (idade, sexo e nível de escolaridade) que influenciam mais a probabilidade de trabalhar em casa e de o fazer em teletrabalho?
Ter o nível de ensino superior é claramente o que mais contribui para a probabilidade de trabalhar em casa e foi também neste nível de ensino que se verificou um aumento maior nesta probabilidade: de 34% para 50,6% com a pandemia. No trabalho em casa, são também os trabalhadores com ensino superior que têm maior probabilidade de o fazerem em regime de teletrabalho (67,5%).
Quer antes quer depois da pandemia, os homens têm maior probabilidade de trabalhar em casa do que as mulheres. Essa diferença era mais significativa no período pré-pandemia (5,4 pontos) do que nos trimestres da pandemia (3,4 pontos). A probabilidade de trabalhar em casa aumentou para todas as faixas etárias, mas continua a ser substancialmente mais baixa na dos 25-34 anos – 17,2% durante a pandemia. No entanto, é nesta faixa etária que é mais provável trabalhar em casa em regime de teletrabalho, ou seja, com recurso a tecnologias de informação e comunicação.
Probabilidade de trabalhar em casa e de trabalhar em regime de teletrabalho por características demográficas e nível de escolaridade
FONTES: Inquérito ao Emprego (INE) e FJN
NOTAS: Cada barra traduz a probabilidade correspondente resultante de um modelo de probabilidade linear (trabalho em casa sempre ou ocasionalmente) ou probit (teletrabalho) que inclui as variáveis explicativas: sexo, faixa etária, nível de escolaridade, setor de atividade e trimestre do ano. A probabilidade de teletrabalho é condicionada a estar a trabalhar em casa. Ver Anexo Metodológico para mais informação sobre os modelos e classificação dos níveis de ensino.
Trabalhar em casa aumentou em todos os setores exceto nas atividades de saúde
A probabilidade de trabalhar a partir de casa aumentou durante a pandemia para todos os setores de atividade, com exceção do setor das ‘Atividades de saúde e humana e apoio social’, o que é compreensível face à necessidade acrescida de profissionais neste setor para lidar com a crise sanitária. Nos restantes setores, o efeito da pandemia não foi homogéneo, sendo os mais expressivos e com a variação relativa acima dos 100% os setores ligados à administração pública (excluindo a saúde e a educação), bem como os setores das ‘Atividades financeiras, de seguros e atividades imobiliárias’ e das ‘Atividades de informação e comunicação’. Este último aumentou a probabilidade de trabalhar em casa para valores superiores a 63% e registou também a maior probabilidade de estar em regime de teletrabalho (86%). Também se registam diferenças entre profissões, com uma maior incidência do trabalho em casa nas profissões em que o recurso a ferramentas informáticas é mais frequente – especialistas e técnicos em TIC - ou aquelas em que o trabalho em casa já era frequente no período pré-pandemia, mesmo que ocasionalmente, como o caso dos professores, com probabilidades acima dos 60% em ambos os períodos.
Nota-se uma clara divisão entre as profissões mais e menos qualificadas, sendo nas profissões mais qualificadas e associadas a níveis hierárquicos mais elevados que se verifica uma maior probabilidade de trabalhar em casa e de o fazer em teletrabalho.
A exceção são os profissionais da saúde. Isto traduz-se também na percentagem da população com profissões passíveis de serem executadas em casa. De facto, os trabalhadores em profissões com menor probabilidade de trabalhar em casa (inferior a 20%) correspondem a 61,9% do emprego. Com menor probabilidade de fazer teletrabalho, este número aumenta para os 70%.
Probabilidade de trabalhar em casa e de trabalhar em regime de teletrabalho antes e durante a pandemia por setor de atividade
FONTES: Inquérito ao Emprego (INE) e FJN
NOTAS: Cada barra traduz a probabilidade correspondente resultante de um modelo de probabilidade linear (trabalho em casa sempre ou ocasionalmente) ou probit (teletrabalho) que incluí as variáveis explicativas: sexo, faixa etária, nível de escolaridade, setor de atividade e trimestre do ano. A probabilidade de teletrabalho é condicionada a estar a trabalhar em casa. Ver Anexo Metodológico para mais informação sobre os modelos e classificação dos níveis de ensino.
A possibilidade de recorrer a teletrabalho explica a mudança na estrutura do emprego
Em regra, os grupos profissionais com maior capacidade de desempenhar funções em teletrabalho são também os mais qualificados e aqueles que viram o seu emprego crescer durante este período. Esta associação entre teletrabalho, qualificação dos trabalhadores e variações no emprego é visível quando se analisam variações quer ao nível das profissões quer ao nível dos setores de atividade.
As profissões com baixa incidência de teletrabalho sofreram perdas pesadas no número total de empregados. A exceção foram os profissionais de saúde e prestadores de cuidados pessoais, por efeito direto do seu papel no combate à pandemia. Uma segunda exceção diz respeito aos técnicos de nível intermédio das áreas financeira, administrativa e de negócios. Mesmo tendo um potencial de teletrabalho moderado (em média), este grupo profissional viu o seu peso cair consideravelmente. A este facto não será estranha a forte presença deste tipo de técnicos em setores como o comércio por grosso e a retalho ou as próprias atividades imobiliárias, áreas impactadas pela pandemia. Ainda que em menor grau, outra profissão com quebras no emprego e com relevância para os mais qualificados foi a dos ‘Diretores de produção e serviços especializados’.
Percentagem de trabalhadores com ensino superior e percentagem de trabalhadores em teletrabalho por profissão, 2020
FONTES: Inquérito ao Emprego (INE) e FJN
NOTAS: A dimensão dos círculos representa uma estimativa da variação absoluta do volume de emprego de 2020 face à média dos dois anos anteriores (2018 e 2019). A cor dos círculos indica se o emprego diminuiu (vermelho) ou aumentou (verde).
No início da pandemia, um conjunto de estudos procurou estimar o potencial de teletrabalho de várias profissões, definido pela natureza das tarefas desempenhadas, de forma a antecipar o impacto da pandemia na economia. A comparação dessas estimativas com a percentagem de trabalhadores que efetivamente, em Portugal, transitaram para teletrabalho, revela que esse potencial de teletrabalho foi largamente cumprido. Uma série de profissões de natureza sobretudo técnica ou administrativa, contudo, tiveram níveis de adesão relativamente baixos face ao que seria expectável segundo esses índices iniciais. O exemplo mais significativo é o das profissões administrativas (empregados de escritório, operadores de processamento de dados). Pelo contrário, a adesão ao teletrabalho em Portugal foi especialmente elevada entre os especialistas de atividades intelectuais e científicas.
A pandemia beneficiou o emprego do tipo abstrato e com baixo risco de automação e os serviços intensivos em conhecimento
A queda no emprego não se verificou em todo o tipo de emprego. De 2019 para 2020, o emprego com predominância de tarefas manuais caiu cerca de 5%, enquanto o emprego que envolve tarefas mais abstratas aumentou 3,6%. A mesma dicotomia verifica-se no emprego de acordo com o risco de automação: o impacto da pandemia foi negativo apenas para o emprego com alto risco de automação (-6,3%), enquanto o emprego com baixo risco de automação cresceu 3,2%.
A pandemia beneficiou sobretudo o emprego em setores de alta tecnologia, sobretudo nos serviços intensivos em conhecimento e de forma progressiva ao longo dos vários trimestres de 2020. No quarto trimestre, por exemplo, os setores intensivos em conhecimento tiveram variações absolutas dos níveis de emprego superiores a 80 mil trabalhadores e taxas de crescimento perto dos 5% face a trimestres homólogos. Este grupo inclui atividades de consultoria e programação informática e de telecomunicações, mas igualmente atividades desempenhadas por profissionais qualificados especializados, nomeadamente profissionais de educação e de saúde, dois grupos importantes e que, como analisado, aumentaram o seu peso no emprego. Mas igualmente profissionais de atividades jurídicas e de contabilidade, serviços financeiros e diversas atividades de consultoria. No plano oposto são os outros serviços que experimentam as principais quebras no emprego, de forma consistente acima de 90 mil trabalhadores em todos os trimestres. Este grupo inclui alguns dos setores que foram mais impactados pela crise pandémica: promoção imobiliária, do comércio a retalho, da restauração e das atividades de apoio ao funcionamento e manutenção de edifícios. Também por esta via, o impacto da pandemia foi sobretudo penalizador para os grupos menos qualificados da população portuguesa. Do ponto de vista da indústria foram sobretudo os setores da energia, gestão de resíduos e, no quarto trimestre, da indústria intensiva em conhecimento, os que mostraram maior capacidade de resistência ou de fazer crescer o emprego. O setor da energia e gestão de resíduos, em particular, experimentou taxas de crescimento do emprego superiores a 15% no segundo e quarto trimestres. Em todos estes casos, no entanto, as variações absolutas do número de empregados foram relativamente pequenas se comparadas com as alterações ao nível do setor dos serviços. O setor industrial (nomeadamente o de níveis de intensidade tecnológica mais elevada) foi capaz de manter a sua proporção no emprego.

Variação percentual da população empregada em cada trimestre de 2020 face ao trimestre homólogo dos dois anos anteriores por setor e nível de intensidade tecnológica e de conhecimento
FONTES: Inquérito ao Emprego (INE) e FJN
NOTAS: Variações percentuais do volume de emprego em 2020 em cada categoria face à média do volume de emprego dos trimestres correspondentes em 2018-2019. A classificação relativa à intensidade tecnológica e de conhecimento dos diversos setores de atividade económica é baseada na classificação do Eurostat e está disponível no Anexo Metodológico.
Algumas competências saíram reforçadas com a pandemia
O tipo de profissões mais atingidas pela pandemia e a possibilidade de distanciamento social que as tarefas de natureza mais abstrata e analítica conferem, explicam que este tipo de competências tenha reforçado o seu peso no emprego. O impacto diferenciado da pandemia nas várias profissões e a maior destruição de empregos pouco qualificados explica também que a utilização de competências requeridas no emprego tenha aumentado. Quando olhamos para o mercado de trabalho como um todo, a intensidade de utilização de competências parece ter aumentado sobretudo para as competências de programação e design de tecnologia, de interpretação científica e matemática e de análise e avaliação de sistemas. Por seu lado, o emprego global parece ter reduzido a procura por funções manuais ou operacionais de manuseamento de equipamentos e sistemas ou de monitorização e controlo de operações, competências particularmente importantes em empregos de natureza menos abstrata. Estas tendências estão em linha com as verificadas até 2019. Finalmente, o aumento de intensidade de competências mais interativas, nomeadamente da gestão de tempo e equipas, de orientação para o serviço e para o mercado ou da necessidade de inteligência emocional, é menos notório, um facto a que não será estranho a sua maior dependência da interação social.

Variação da intensidade de utilização das competências no emprego entre 2019 e 2020
FONTES: Brighter Future, Inquérito ao Emprego (INE), O*NET e FJN
NOTAS: Classificação das competências e metodologia no Anexo Metodológico.
A pandemia protegeu setores menos dependentes de mobilidade e interação social
Uma análise mais pormenorizada dos setores de atividade revela que, comparando o volume de emprego com períodos homólogos, alguns foram fortemente penalizados, enquanto outros viram o seu emprego aumentar de forma consistente ao longo de 2020.
Foram sobretudo os setores do comércio a retalho, da restauração, da promoção imobiliária e do apoio ao normal funcionamento de edifícios (incluindo a limpeza) os que viram o seu peso no emprego cair de forma mais drástica. No terceiro trimestre, as quebras no nível de emprego no setor da restauração foram de cerca de 18% e representaram perdas de mais de 40 mil empregos. Muito perto de 20% para o caso do setor de apoio a edifícios e limpeza. No caso do comércio ao retalho, a diminuição do número de trabalhadores empregados ficou próxima de 56 mil trabalhadores.
Estas dinâmicas estarão associadas, certamente, não apenas a medidas de condicionamento destas atividades por razões de saúde pública, mas, sobretudo, à forte migração do setor de serviços para teletrabalho. Também a queda da representatividade do próprio setor de transportes terrestres, numa altura de maior incidência da doença, poderá ter essa explicação.
Do lado oposto, além da saúde e da educação, foram os setores da consultoria informática e das atividades de apoio de gestão às organizações os que mais cresceram em importância. O primeiro destes setores experimentou taxas de crescimento acima dos 30%. Por outro lado, o setor da construção, mesmo sendo um setor com muito baixo potencial de teletrabalho, parece ter sido capaz de resistir, tendo aumentado a sua representatividade no emprego, sobretudo na última metade do ano de 2020.

empregos perdidos na restauração e no comércio ao retalho, respectivamente
Setores de atividade com maiores perdas e ganhos no volume de emprego no quarto trimestre de 2020 (face ao trimestre homólogo dos dois anos anteriores)
FONTES: Inquérito ao Emprego (INE) e FJN
NOTAS: São apresentados valores para os cinco setores de atividade com maiores perdas e ganhos absolutos no emprego no quarto trimestre de 2020. Os valores reportados são as variações percentuais do volume de emprego em cada setor de atividade face à média do volume de emprego nos trimestres correspondentes em 2018-2019.
Os profissionais da saúde, educação e das TIC viram o seu peso no emprego crescer
Uma análise mais detalhada aos grupos profissionais mais atingidos pela pandemia revela que foram sobretudo as profissões menos qualificadas e com maior probabilidade de interação social que viram o seu peso descer de forma continuada ao longo do ano de 2020.
No grupo de profissões com maiores quedas no quarto trimestre de 2020 (face ao trimestre homólogo dos dois anos anteriores) estão os 'Trabalhadores dos resíduos e de outros serviços elementares', de 'Trabalhadores dos serviços pessoais', 'Assistentes na preparação de refeições', 'Vendedores' e 'Trabalhadores de limpeza' como tendo sido particularmente atingidos. Encontramos também, contudo, trabalhadores industriais qualificados e menos qualificados e operadores de instalações fixas, máquinas e equipamentos móveis, o que parece também indicar alguma extensão de efeitos aos setores industriais, da construção ou dos transportes. Os trabalhadores não qualificados destes setores, assim como os trabalhadores de serviços elementares ou assistentes de preparação de refeições, viram os seus níveis de emprego quebrar mais de 20% face ao número de empregados de períodos homólogos, mesmo no quarto trimestre de 2020.

Profissões com maiores perdas e ganhos no volume de emprego no quarto trimestre de 2020 (face ao trimestre homólogo dos dois anos anteriores)
FONTES: Inquérito ao Emprego (INE) e FJN
NOTAS: São apresentados valores para as 10 profissões a 2 dígitos da Classificação Portuguesa das Profissões com maiores perdas e ganhos no emprego do quarto trimestre de 2020 (face à média dos dois trimestres homólogos anteriores). Os valores reportados são as variações percentuais do volume de emprego em cada profissão face à média do volume de emprego nos trimestres correspondentes em 2018-2019.
Pelo contrário, as profissões que ganharam maior representatividade no emprego parecem responder a duas motivações principais. Por um lado, apoiar diretamente a resposta à pandemia. Este grupo inclui profissões diretamente envolvidas na resposta de saúde pública, nomeadamente profissionais, técnicos e auxiliares de saúde. Inclui também profissionais do setor educativo, que foi profundamente reorganizado de forma a permitir a manutenção do seu funcionamento presencial já durante o quarto trimestre de 2020. Por outro lado, vemos claramente uma importância relativa de profissões como 'Especialistas em TICs' mas igualmente de ‘Especialistas em finanças, contabilidade, organização administrativa, relações públicas e comerciais' (que inclui especialistas de recursos humanos, marketing, vendas e apoio informático às vendas) e profissões administrativas que incluem igualmente uma dimensão de processamento de dados. É assim muito provável que o impulso da digitalização como consequência do distanciamento social resulte em mudanças permanentes na estrutura de emprego.
O número global de ofertas de emprego baixou nos períodos críticos da pandemia
A análise da evolução do número de ofertas de emprego, quando realizada a partir de um conjunto estável de plataformas on-line de emprego, dá-nos a possibilidade de ver os efeitos da pandemia no emprego sem o filtro que as medidas de lay-off temporário criam. Se, por um lado, essas medidas ajudam a suavizar os efeitos no emprego, também os dados do desemprego surgem com algum desfasamento temporal.
As ofertas de emprego são um indicador quase instantâneo dos efeitos da crise pandémica no emprego. A evolução global do número de ofertas acompanhou, em espelho, os períodos de maior disseminação da pandemia. O primeiro momento de quebra abruta diz respeito ao primeiro período de confinamento que se iniciou quase imediatamente após o aparecimento da primeira vaga da pandemia. Um segundo período de quebra continuada respeita ao quarto trimestre de 2020, relacionada com o início de uma grande segunda vaga.
Pelo contrário, os períodos de maior crescimento da oferta de emprego combinaram duas características: um forte efeito sazonal do emprego e um período de baixa incidência pandémica que coincidiu com o início do verão de 2020.

Número de ofertas de emprego (Janeiro=100) e novos casos de Covid-19 ao longo de 2020
FONTES: Brighter Future, Burning Glass, Direção Geral da Saúde e FJN
NOTAS: Ofertas de emprego anunciadas num conjunto estável de plataformas online de emprego. O índice 100 é uma normalização do número global de ofertas de emprego em Janeiro de 2020. Os novos casos de Covid-19 correspondem à média acumulada a sete dias de novos casos por milhão de habitantes.
As ofertas para profissões mais qualificadas sofreram quebras menores e mostraram maior dinamismo em períodos de recuperação económica
Mesmo estando sujeitas a ciclos de variação semelhantes às ofertas totais, o número de ofertas para as profissões cujo nível de educação é o ensino superior não só sofreram quebras percentuais menores nos períodos de decréscimo de atividade económica, como mostraram muito maior dinamismo nos períodos de recuperação. Entre o final da primavera e o verão de 2020, este grupo de profissões viu crescer um enorme hiato de ofertas face às restantes, sobretudo no período de regresso à atividade. Não foi ainda assim capaz de evitar também uma quebra profunda no final do ano de 2020.
Número de ofertas de emprego ao longo de 2020 (Janeiro=100) por nível de educação modal da profissão
FONTES; Brighter Future, Burning Glass, Quadros de Pessoal (GEP/MTSSS) e FJN
NOTAS: Ofertas de emprego anunciadas num conjunto estável de plataformas online de emprego. O índice 100 é uma normalização do número global de ofertas de emprego em Janeiro de 2020. A separação das ofertas em 3 níveis de educação (básico, secundário ou superior) é feita a partir do nível de educação mais frequente dos trabalhadores da profissão em 2018 a que cada oferta está associada.
O impacto da pandemia nas ofertas de emprego não é explicado apenas pelo potencial de teletrabalho das profissões
A possibilidade de exercer trabalho intelectual, quando associada a um maior potencial de teletrabalho, foi claramente um fator de proteção durante a pandemia face às flutuações na oferta de emprego. As profissões simultaneamente mais qualificadas e com maior potencial de teletrabalho mostraram muito maior dinamismo em termos de oferta de emprego. O diferente impacto da pandemia ao longo do ano de 2020 não é, contudo, totalmente explicado por esse potencial.
Por um lado, um conjunto de profissões desempenhadas em elevada proximidade e com níveis de qualificações (e salários) relativamente elevados mostraram também uma dinâmica mais positiva de criação de emprego nas alturas de maior contenção da pandemia.
Este grupo inclui, obviamente, as profissões associadas ao setor da saúde, incluindo perfis de apoio técnico e de prestação de cuidados pessoais.
Por outro lado, de forma muito menos óbvia, um grupo de profissões administrativas e de salários e níveis de qualificações intermédias parece ter sido mais atingido mesmo apresentando níveis de teletrabalho consideráveis.
Incluem-se aqui empregados de escritório e de apoio administrativo e comercial. Particularmente impactada foi a oferta sobre o conjunto de profissões com níveis de qualificações mais baixos e muito baixo potencial de teletrabalho. Incluem-se aqui sobretudo trabalhadores de serviços e cuidados pessoais e de apoio à venda. Deste modo, o nível de qualificações associado a cada profissão, mas também a natureza mais ou menos rotineira do trabalho intelectual desempenhado, parecem ter ganho mais força do que simplesmente a possibilidade de o trabalho ser realizado à distância. Também por esta via, a pandemia cavou um fosso ainda maior entre os mais e os menos qualificados.
Número de ofertas de emprego ao longo de 2020 (Janeiro=100) por nível de adoção de teletrabalho e nível de qualificação dos trabalhadores
FONTES: Brighter Future, Burning Glass, Inquérito ao Emprego (INE), Quadros de Pessoal (GEP/MTSSS) e FJN
NOTAS: Ofertas de emprego anunciadas num conjunto estável de plataformas online de emprego. O índice 100 é uma normalização do número global de ofertas de emprego em Janeiro de 2020. A separação das ofertas por quatro grupos é feita através de um exercício de construção de quatro clusters com base na percentagem de trabalhadores em teletrabalho nos três últimos trimestres de 2020 (Inquérito ao Emprego) e a percentagem de trabalhadores com ensino superior em cada profissão (com base nos Quadros de Pessoal, 2018) a dois dígitos da Classificação Portuguesa das Profissões.
Procura por competências digitais aumentou durante a crise pandémica
A desagregação das ofertas de emprego de acordo com o tipo de competências que são mais requeridas – digitais, técnicas ou transversais – revela que até abril não havia diferenças substanciais entre esses três tipos.
A partir desse momento, que coincide com a retoma da oferta de emprego, fica evidente que as ofertas de emprego em que a maioria dos requisitos correspondia a competências transversais manteve níveis baixos de procura, possivelmente por serem mais dependentes da interação social, recuperando apenas no final da primavera e durante todo o verão de 2020.
Por seu lado, as ofertas com mais requisitos técnicos e digitais tiveram maior crescimento no período de recuperação, mas de forma mais pronunciada e sustentada as que pediam maioritariamente competências digitais. Este é também o tipo de ofertas que lidera nos períodos de deterioração do clima económico. O resultado foi uma digitalização da oferta de emprego ao longo do ano.
Número de ofertas de emprego ao longo de 2020 (Janeiro=100) por tipo de competências mais pedido (digitais, técnicas e transversais)
FONTES: Brighter Future, Burning Glass e FJN
NOTA: Ofertas de emprego anunciadas num conjunto estável de plataformas online de emprego. O índice 100 é uma normalização do número global de ofertas de emprego em Janeiro de 2020. A classificação de competências nas categorias digitais, técnicas e transversais segue a classificação da Burning Glass. Uma determinada oferta é classificada como requerente de requisitos “técnicos”, “transversais” ou “digitais” quando esses tipos de requisitos constituem a maioria dos requisitos de uma dada oferta de emprego.
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